terça-feira, 17 de abril de 2007

experiência interdisciplinar no Centro de Estudos Musicológicos da Biblioteca Nacional: a voz de M. Clara Assunção

BOMTEMPO, João Domingos, 1775-1842
Fantaisie [Música manuscrita] : Pour Forte Piano, deux Violons, Alto et Violoncelle ; Seconde Fantaisie / Composée Par J .D. Bomtempo [18--]. - Partitura [9, 2 f.] ; 232x330 mm + 5 partes instrumentais http://purl.pt/6693

Foi apresentada, ao
9º Congresso BAD, a comunicação "Experiência interdisciplinar no Centro de Estudos Musicológicos da Biblioteca Nacional" das autoras Maria Catarina Latino, Maria Clara Assunção, Sílvia Sequeira, que pudemos ler, integralmente, nas actas do congresso. A bibliotecária Maria Clara Assunção deixa-nos aqui um depoimento sobre a sua experiência profissional num serviço de estudos musicológicos, na Biblioteca Nacional, onde trabalha com as autoras referidas, especialistas noutras áreas.

«Numa biblioteca especializada o bibliotecário tem de se confrontar com conhecimentos específicos da área temática da biblioteca e, não tendo de os dominar, tem, pelo menos, de lhes ser familiar. No meu caso concreto, tendo uma história pessoal ligada à música, desde a infância, como actividade amadora, a minha chegada ao CEM (então ainda com a designação Área de Música) significou a necessidade de adquirir conhecimentos teóricos que, até então, não me tinham sido necessários. Tudo começou no inventário dos livros de coro, quando tive de aprender a identificar e descrever tipos de notação musical, cânticos, festas litúrgicas, tudo conhecimentos que são comuns aos musicólogos e que eram completamente novos para mim. Na verdade, nessa altura, era tudo novo para mim porque os Cursos de Ciências Documentais só vieram depois, primeiro na variante de Arquivo e depois na de Biblioteca e Documentação. Com o tempo, houve ainda outras aprendizagens. Conhecimentos que permitem reconhecer a apresentação musical - partitura/parte, partitura de bolso, partitura vocal, etc. - identificar tonalidades, géneros e instrumentos musicais em várias línguas, reconhecer claves (não só as de Sol e de Fá, que já me eram familiares), identificar a tonalidade e o compasso. Embora me tenha inscrito numa escola de música, onde pude obter conhecimentos mais sistematizados, foi em primeiro lugar no contacto diário com as colegas musicólogas e, muitas vezes, com os próprios leitores, que mais aprendi e continuo a aprender.
Ao longo dos anos fui trabalhando com outros materiais, principalmente música impressa, e confrontei-me com as dificuldades inerentes a uma normativa deficitária, cheia de lacunas, capaz apenas de resolver os casos óbvios e dissociada da realidade diária de uma biblioteca de música onde o trabalho é tudo menos óbvio. Um bibliotecário espanhol referia-se às normas biblioteconómicas relacionadas com a música como uma «liturgia normativa» cheia de cabeçalhos de assunto inúteis, classificações delirantes, prioridades de descrição alheias às necessidades dos utilizadores de música e possibilidades de recuperação de documentos contrarias às suas expectativas.
Consciente destes problemas, acabei por mergulhar a fundo na teoria da catalogação e na normativa, particularmente a norma internacional de descrição bibliográfica para a música impressa, mas também nas regras existentes para a descrição de manuscritos musicais, a aplicação do UNIMARC, as regras para a construção dos títulos uniformes, a construção de cabeçalhos de assunto musical e o "último grito" da catalogação: os FRBR e a sua aplicação à música. É esse o papel que me cabe neste jogo interdisciplinar. Estudar as regras e normas, testar a sua aplicabilidade, acompanhar o trabalho das colegas, compilar as perguntas dos utilizadores, voltar às regras e tentar encontrar as soluções de compromisso possíveis entre uma prática que se exige normalizada - estamos na agência bibliográfica nacional que é, também, a entidade normalizadora - e a necessidade de prestar o melhor serviço possível aos nossos utilizadores, na sua maioria alunos de mestrado e doutoramento, logo, com práticas de pesquisa altamente sofisticadas.
Mais recentemente, no trabalho com os espólios de compositores, a formação em arquivo tem sido de grande utilidade mas, mais uma vez, não é suficiente. Tenho-me debruçado sobre o estudo da teoria arquivística e da sua aplicação aos espólios recolhendo exemplos de outros países, em particular o Canadá, que tem desenvolvido bastante trabalho nesta área, mas também a prática francesa e, mais recentemente, a prática desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mas, mais uma vez, o contacto com os musicólogos tem sido indispensável. Sem esse contacto, seria impossível para mim compreender de que forma a descrição do espólio de um compositor pode facilitar ao investigador a compreensão da sua obra.»

Maria Clara Assunção
editora do blogue a Biblioteca de Jacinto e colaboradora nos Bibliotecários sem fronteiras 2.0

Agradeço a MCA a colaboração e o texto aqui disponível.
Vivam as bibliotecas vivas.

1 comentário:

MCA disse...

Luisa, desculpa a falta de educação por só agora vir agradecer-te este post. Até breve.