(mais uma voz bloguista, Bruno Duarte Eiras, que nos apresenta um resumo do trabalho de investigação sobre um tema interessante que nos escapa e foge da nossa observação, apresentado no 9º Congresso BAD, pois trata-se de um estudo sobre as bibliotecas nas prisões.)
"Em 2004 resolvi prosseguir os meus estudos no âmbito das Ciências Documentais através da minha candidatura ao Mestrado
Após as primeiras semanas de aulas defini desde logo qual seria o tema da minha dissertação de mestrado. Tendo em conta que em Portugal ainda muito está por estudar na área das Ciências Documentais/Ciências da Informação optei por eleger como tema da dissertação algo ainda nunca investigado em Portugal – bibliotecas de estabelecimentos prisionais.
Normalmente estamos habituados a ouvir falar sobre este assunto no âmbito dos serviços de extensão bibliotecária ou como referência a possíveis área de trabalho (normalmente relacionado com as bibliotecas públicas) ou como identificação de potenciais públicos.
Aquilo que muitas pessoas não têm são informações pormenorizadas sobre este assunto. Ainda que algumas bibliotecas, outras instituições culturais ou particulares façam chegar livros aos estabelecimentos prisionais, poucos sabem de que forma eles são disponibilizados aos reclusos – caso isto aconteça – e em que condições esse acesso é permitido.
Desde há várias décadas que a legislação nacional prevê a existência de bibliotecas em meio prisional (as primeiras referências a espaços de leitura datam de 1901), estando no entanto por definir normas e condições para o acesso a estes espaços. Praticamente todos os estabelecimentos prisionais (EP) existentes em Portugal (em 2006 eram 59) dispõem de um espaço a que de uma forma ou de outra de convencionou chamar de biblioteca.
Para quem esteve atento às últimas notícias que passaram na TV a propósito do Dia Mundial do Livro pode ver que a biblioteca do EP de Tires está relativamente bem equipada (mobiliário e documentos) e possui condições físicas aceitáveis. Mas por incrível que pareça esta situação representa uma das principais deficiências das bibliotecas de EP, isto porque, na maioria dos casos as condições destas bibliotecas estão dependentes dos Directores dos EP, das condições espaciais e estruturais dos próprios EP e da motivação e empenho dos reclusos. A inexistência de normas (ou a sua não aplicação) para a criação, funcionamento e manutenção destas bibliotecas cria assimetrias entre os reclusos consoante estejam num EP de construção mais ou menos recente, com uma localização geográfica mais ou menos central ou com uma comunidade local/regional mais ou menos interventiva. Ainda assim, são de louvar os casos de sucesso resultantes da junção propositada ou meramente ocasional de alguns destes factores que potenciam o aparecimento de verdadeiros “oásis” de acesso à informação e à cultura dentro dos EP.
Ainda com algum motivo de admiração não se pode apontar responsabilidade à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (entidade que tutela os EP) que no conjunto de todas as suas responsabilidades e atribuições, procura realizar da melhor forma possível e com escassez de meios e recursos a função que alguém designou como a de “corrigir (sistema penal) todos os males que os outros sistemas (sociais, educativos, laboral) não conseguiram”.
Desde 1998 que a Direcção Geral dos Serviços Prisionais e o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas cooperam, através de um protocolo assinado, no sentido de procurar aumentar e renovar as colecções das bibliotecas dos EP e realizar actividades de promoção da leitura. De igual modo, este protocolo prevê a realização de itinerâncias culturais e de concursos literários a nível nacional. É de salientar que este tipo de actividades tem uma ampla adesão por parte dos reclusos, chegando mesmo a organizarem-se outras actividades internas que saem fora do âmbito deste protocolo. Fica assim em aberto a possibilidade da comunidade local/regional poder vir a interessar-se mais por este segmento da população que é consagrado no Manifesto da UNESCO.
Não sabemos quantos Jean Genet os EP portugueses, através das suas bibliotecas, vão produzir, mas sabemos que a existência destes espaços ou pelo menos o acesso aos seus serviços funcionam como factor crítico de sucesso para o processo de reabilitação e reintegração social dos reclusos."
editor do blogue Entre Estantes e colaborador no Oeiras a Ler
Vivam as bibliotecas vivas livres, mesmo que emparedadas!