segunda-feira, 9 de julho de 2007

Água, Cão, Cavalo, Cabeça


Gonçalo M. Tavares recebe hoje o prémio, em S.Miguel de Seide. O livro de contos intitula-se "Água, Cão, Cavalo, Cabeça". Camilo Castelo Branco, que dá nome ao prémio, gostou do título.
O Cavalo parou junto à porta da casa de Seide, o Cão tossiu. Estava tísico. Desceu as escadas, abanou a Cabeça e disse:
- não voltes mais aqui sem trazer o envelope. Tanto espero e sofro!
O Cavalo afastou-se, olhou em frente e viu-me. Mergulhou em si mesmo e encontrou a Água em que se vai tornar, dentro do papel do envelope.


”Um envelope individual

O exame electroencefalográfico tem doze registos que podem ser mono ou bipolares. Os exames captam os estímulos eléctricos de cada uma das áreas do cérebro; depois tiram-se conclusões.
Em repouso, o ritmo eléctrico do cérebro é diferente.

É necessário acreditar na verdade e não acreditar na mentira.
Uma escritora utiliza esta expressão: ficar individual. Uma pessoa que numa conversa, de repente, fica individual, é alguém que entra em si próprio, como se cada um fosse dois e pudesse o seu 2° mergulhar no primeiro e fechar-se.
Existem momentos em que somos sociais, disponíveis; e existem momentos em que somos individuais.
No café detestam que eu leve livros e os leia, e que escreva. Aceitam e gostam de alguém que leva um jornal e lê durante horas, sentado. É uma questão de não se sentirem estúpidos, mas são estúpidos.
No fundo era apenas para contar a história de alguém que tinha um electroencefalograma para levantar num laboratório, mas morreu às duas horas da tarde, e o exame só estava pronto às três horas da tarde. Morreu de um ataque que vem de dentro da cabeça, mas os médicos têm outros termos. E o resultado do exame ficou anos no laboratório porque não foi levantado e no laboratório não são obrigados a distinguir quem morre de quem se atrasa ou se esquece.
Na organização de um dos anos posteriores, esse exame foi rasgado e deitado ao lixo, sem sequer ser aberto.

O exame electroencefalográfico, já o disse no início, tem doze registos, registos que podem ser mono ou bipolares. Os exames captam os estímulos eléctricos de cada uma das áreas do cérebro e depois tiram-se conclusões.
Naquele caso a conclusão era que o cérebro estava bem. Tanto em esforço como em repouso. E doze registos são sempre doze registos, não é um só.”

Gonçalo M. Tavares

In Água, Cão, Cavalo, Cabeça, Caminho, 2006

O conto foi retirado do blogue Aspirina B, post de autoria de Fernando Venâncio.

ver também

Vivam as bibliotecas vivas!

Sem comentários: